46.ª Mostra de Cinema: crítica de “Roza”

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Por Tarcilio de Souza Barros

Cinéfilo assistindo filmes da 46.ª Mostra de Cinema de São Paulo fica sempre solerte para encontrar uma película que venha preencher seu gosto pelo cinema de arte.

Roza, filme oriundo da Guatemala sob direção e script de Andréa Rodriguez, é uma pérola cinematográfica.

A Guatemala foi conquistada por potência européia e sua cultura incaica foi destruída, assim como as demais civilizações da América Central.

O filme narra a história de Hector, que após emigrar na cidade do México retorna para o pueblo onde nasceu e onde vive sua mãe, sua mulher e seu filho pequeno. Encontra tudo mudado, os moradores não o reconhecem e passa a viver isolado. Sua mãe, para sobreviver com a nora e neto, fabrica um pão em forma de chapati e a nora de posse do balaio vai à venda na cidade, porém retorna com a produção para casa sem nada vender, deixando a sogra desesperada por contar com a venda para o sustento do lar.

O diretor, na construção do personagem principal Hector, traz um tipo simbólico  da raça indígena: cabelo negro, grosso, dividido ao meio e caído sobre os ombros. Apresenta também traços faciais sombrios de sofrimento, assim como foram seus antepassados pelo jugo da colonização.

No pueblito há um pastor pentecostal que, tal como os colonizadores, catequiza e explora os fiéis através de dúbia pregação religiosa vindo a se apossar das escrituras de imóveis dos proprietários das terras, bem como explorar sexualmente as mulheres, como fez com a mulher de Hector, levando-a para cidade grande.

Uma cena forte é o diálogo de Hector com sua mulher quando ela diz que irá abandoná-lo. Hector pede tempo e se preocupa com o destino do filho. A esposa o responde desdenhosamente com apenas um “não sei”!

Renasce em Hector a força guerreira de seus ancestrais e ele parte para a luta. Uma noite Hector vai a sala de reunião do pastor e abre a gaveta do móvel fichário onde estão não só as suas, mas centenas de escrituras dos pobres moradores. De posse dos documentos, na manhã seguinte, no alto de uma colina, as incineram, libertando do jugo mercenário de um cobiçoso pastor.

Há outra cena marcante do filme, em que Hector diz à mãe que voltou não para ela, mas sim voltou para buscar o que era dele, retratando o que seus ancestrais disseram ao colonizador: as terras são suas propriedades, por direito e tradição.

Dramático, o filme nos deprime por vermos tanta injustiça por civilizações afeitas a usos e costumes, pelo trabalho ao ar livre na terra plantando e colhendo alimentos para sua família.

Ao final de “Roza” ficamos sabendo da mulher partindo para a cidade grande, o declínio da casa materna com sua mãe ficando só. A cena final é no estilo do lembrado filme “Modern Times” (Tempos Modernos) 1930, em que Chaplin, de mãos dadas com Paulete Godard, segue caminhando numa estrada sem fim desfrutando de justiça e liberdade, da mesma forma que Hector e Victor, seu filhinho, caminham agora numa estrada em outra parte do mundo, porém agora num filme colorido.

Andréa Rodriguez condensou nessa obra prima num filme de média metragem a saga de seu país sobre o jugo insano e criou uma obra-prima do cinema.

Seu filme com planos lentos, espaçados, com atores não-profissionais, sob sua capacidade criativa, inovadora faz com que esses atores sustentam essa obra-prima que está a disposição do público nas salas de cinema da Mostra.

Filme: Roza

Origem: Guatemala

Dir./Rot. /:Andréa Rodriguez

2022 – 76 min. – cor – Ficção

Premiado no Festival de Locarno

Avaliação: EXCELENTE

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