MUJ abre as portas para visitação e conta a história da cultura judaica

Foto: Fernando Siqueira

Após 20 anos de planejamento e mobilização da sociedade civil, o Museu Judaico de São Paulo (MUJ) abre as portas para visitação neste domingo, 5. A exemplo de outros museus judaicos do mundo, o MUJ pretende apresentar histórias plurais judaicas conectando-as ao público brasileiro.

Além de quatro andares expositivos, os visitantes também terão acesso a uma biblioteca com mais de mil livros para consulta e a um café que servirá comidas judaicas.

Localizado no antigo prédio do templo Beth-EL, uma das sinagogas mais antigas da cidade, o espaço fica na Rua Martinho Prado, 128, no bairro da Bela Vista, e passou por um processo de restauração, modernização e a construção de um prédio contemporâneo anexo para finalmente receber o público.

A programação expositiva do museu tem por objetivo cultivar e manter vivas as diversas expressões, histórias, memórias, tradições e valores da cultura judaica, tecendo também um diálogo com o contexto brasileiro, com o tempo presente e com as aspirações de seus diferentes públicos, criando assim uma matriz baseada em princípios de diversidade, resistência e atualidade.

“Concebemos o Museu Judaico de São Paulo como um espaço de visões plurais sobre o judaísmo, apresentado como um complexo sistema cultural e identitário, que está sempre se reinventando. A partir da experiência judaica, o MUJ reflete sobre o tempo presente e cria tranças com a diversidade cultural do contexto brasileiro, acionando debates sobre preconceito, intolerância e outras questões sociais e políticas urgentes”, afirma Felipe Arruda.

EXPOSIÇÕES

As exposições materializam um rigoroso trabalho curatorial e museológico, fruto do esforço da instituição para estabelecer pontes de diálogos tanto dentro da comunidade quanto para o público não-judeu. A partir de obras multimídia, objetos históricos, documentos e fotografias, o museu apresenta quatro exposições.

Como aponta Sergio Daniel Simon, presidente do Museu, “tanto a presença quanto a perseguição contra o seu povo no Brasil acontecem há séculos”. Fugindo dos usuais estereótipos históricos que se concentram apenas no brutal antissemitismo disseminado durante a Segunda Guerra Mundial, Simon destaca a perseguição dos criptojudeus ibéricos flagelados pela Inquisição. São, portanto, cinco séculos de resistência e força, materializados nas programações do MUJ. Seguem abaixo informações sobre cada uma das exposições:

Exposição “A Vida Judaica”

A primeira exposição de longa duração, “A vida judaica”, apresenta os costumes e rituais pelos quais o judaísmo se conecta com o sagrado, demarca o tempo, estuda seus textos, festeja valores, elege seus alimentos típicos e vivencia coletivamente cada etapa da vida. Aborda, portanto, os acontecimentos cotidianos da vida judaica, entendendo-os não somente sob o prisma religioso, mas também como fenômeno cultural.

Exposição “Judeus no Brasil: Histórias Trançadas”

Nesta exposição, o objetivo é tecer uma complexa narrativa da pluralidade da presença judaica no Brasil a partir dos diversos fluxos migratórios ao longo de 500 anos. A mostra analisa ainda a pluralidade resultante dos diversos pólos de implantação das comunidades judaicas no Brasil e de que formas os costumes que pautam a vida judaica se comportam em suas dinâmicas intergeracionais, sejam elas a partir de vivências individuais ou coletivas. A exposição mostra também como a comunidade judaica brasileira apresenta inúmeras interseções e confluências na contemporaneidade, embora tenham diferentes matrizes culturais e geográficas.

Alguns objetos apresentados na mostra remetem aos vínculos de Dom Pedro II com o judaísmo no Brasil Império. Ela inclui, por exemplo, um fac-símile de um fragmento de uma Torá que pertenceu ao imperador, encontrada na Quinta da Boa Vista, antiga residência imperial desde a chegada da Corte Portuguesa ao Brasil, hoje no acervo do Museu Nacional do Rio de Janeiro.

Exposição “Inquisição e Cristãos Novos no Brasil: 300 Anos de Resistência”

Partindo igualmente de uma matriz histórico-documental, a exposição temporária revela o funcionamento do Tribunal do Santo Ofício da Inquisição e a luta dos cristãos-novos para reconstruir suas vidas no Brasil durante os 300 anos de vigência da Inquisição. Sobretudo sobre a vida dos judeus ibéricos, a Inquisição marcou o povo judeu por fortes discriminações e perseguições.

Muitos judeus foram obrigados a migrarem e a converterem-se publicamente ao cristianismo, mas mantendo clandestinamente as práticas e crenças judaicas em espaços privados, como em suas residências. A mostra, repleta de documentos, mostra as reverberações desses intercâmbios culturais frutos de uma onda de resistência judaica nos aspectos históricos e sociológicos do Brasil.

Exposição “Da Letra à Palavra”

Essa mostra investiga as relações, na arte contemporânea, entre a escrita e as artes plásticas, entre imagem e texto, entre a escrita como desenho e a presença das palavras nas pinturas. A exposição tem curadoria de dois artistas plásticos, Lena Bergstein e Sergio Fingermann, e reúne 32 artistas plásticos contemporâneos, propondo uma grande diversidade poética e indagações plásticas e teóricas que fomentam a livre reflexão.

A pluralidade de enfoques da questão central da exposição reúne obras muito diferentes entre si, com pactos poéticos distintos. Há obras de Artur Bispo do Rosário, Beatriz Milhazes, Carmela Gross, Anna Maria Maiolino, Anna Bella Geiger, Arnaldo Antunes, Arthur Lescher, Carlos Vergara, Denilson Baniwa, Shirley Paes Leme e Paulo Pasta, entre outros.

Segundo os curadores, “Da Letra à Palavra” aponta a importância da construção de significados através dos espaços entre as letras, entre as palavras, dos vazios, dos brancos entre as linhas e entre as frases. Nesses intervalos, nesses espaçamentos, os desenhos e os textos ganham significados e tecem novas interpretações. As obras expostas levam aos rolos da escrita, trazem uma relação com o pergaminho, monotipias sobre lenços, pinturas com sobreposições de escritas e alguns trabalhos onde a escrita se mostra legível e poética, sempre duplicando as possibilidades de leituras.

Outros trabalhos têm um significado semântico explícito – avisos, indagações, palavras chaves, levando tanto a uma poética da letra, do escrito, na sua função semântica, mas também vistos na sua função de imagem – cartas, escritos e fotos que levam à busca de uma memória desejada e perdida. Já outros artistas trabalham com signos, traços, riscos e cicatrizes, lembrando as primeiras escritas. Esta exposição, embora mantenha fortes vínculos históricos, tem caráter principalmente artístico, inserindo o MUJ em um importante circuito de arte contemporânea brasileira em São Paulo.

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