Renato Bolelli Rebouças apresenta mostra fruto de 15 anos de pesquisa

Foto: Andrea Lavezzaro

Após 15 anos de pesquisa, o cenógrafo, figurinista e artista plástico Renato Bolelli Rebouças apresenta a exposição “O Gabinete dos Desinteresses e Mediocridades: Réquiem para o Antropoceno”, que fica em cartaz na Funarte São Paulo entre os dias 29 de julho e 27 de agosto, com visitação diária, das 14h às 19h. A exposição traz ainda no dia 19 de agosto, performances com artistas convidados, das 14h às 18h.

A mostra une a um só tempo artes visuais, artes cênicas, arqueologia e sustentabilidade com materiais recolhidos em cerca de trinta cidades, em dez países.

Bolelli transita no cenário nacional e internacional em torno das artes cênicas, como cenógrafo, diretor de arte, figurinista, arquiteto, pesquisador e professor.  Este ano, por exemplo, atuou como um dos curadores da 15.ª Edição da Quadrienal de Praga – evento mundialmente conhecido que acontece a cada quatro anos e traz destaques do design da performance, da cenografia e da arquitetura teatral para a linha de frente de atividades culturais – e o trabalho da equipe levou o prêmio de Best Team Working, pela representação do Brasil no evento. 

“O Gabinete dos Desinteresses e Mediocridades: Réquiem para o Antropoceno” costura essas atuações ao longo de sua trajetória: começou há cerca de quinze anos, em viagens e apresentações no Brasil e fora do país, recolhendo objetos que chamavam sua atenção abandonados nas ruas, bem como restos de cenários, de figurinos e de adereços de projetos anteriores. Mais tarde, com a sistematização dessa catalogação dos objetos, transformou essa ação em pesquisa de seu doutorado, defendido no departamento de Artes Cênicas da USP, com a tese “Espaços e materiais residuais em potência performativa: Cenografia Expandida a partir do Sul”.

A mostra também liga outras duas percepções fundamentais na construção dessas instalações. De um lado, a ação do homem no mundo, com o descarte de objetos. “A ideia é reduzir cada vez mais o consumo. Essa possibilidade de dar uma nova vida aos objetos, aos restos, sempre me tocou muito”, comenta. De outro, a colonização dos países do hemisfério sul. “Essa mostra é um desdobramento da minha pesquisa de doutorado. Por meio de uma perspectiva decolonial, minha intenção foi dar conta dessa produção proveniente do Sul do planeta. Fui percebendo as muitas semelhanças entre as nações latino-americanas, africanas e até asiáticas, como a Índia”, diz o artista.

Construção pela destruição

Para o artista, a existência de todos esses resíduos é um retrato da sociedade ocidental  contemporânea, centrada no consumismo e na destruição constante. Mesmo assim, foi possível encontrar uma dimensão afetiva para a construção dessa espécie de Gabinete de Curiosidades e Maravilhas – espaços criados a partir do século 17 na Europa que deram origem aos futuros museus de História Natural, as exposições de arte e os laboratórios científicos.

Esses gabinetes, também chamados de “Teatros do Mundo” (Theatrum Mundum), intensificaram o colecionismo e a catalogação das espécies de plantas, animais e minerais encontrados fora do continente europeu durante o período das Grandes Navegações. “Se, de um lado, tínhamos riqueza, suntuosidade e exuberância no continente europeu, de outro tínhamos a destruição progressiva dos territórios colonizados, em um processo constante de dizimação de povos, ecossistemas e espécies nativas”, reflete Bolelli.

Com isso em mente, o artista criou seu próprio gabinete dedicado às coisas descartadas. No entanto, as curiosidades foram convertidas em desinteresses e as maravilhas em mediocridades, formando um pequeno circo de horrores repleto de delicadeza e poesia.

A exposição levanta questionamentos a respeito dos mais de 500 anos de exploração e destruição sistêmica dos países do sul global: afinal, como lidar com os destroços dessa devastação continuada? Sem se ater a apenas apresentar uma perspectiva negativa, o cenógrafo tem o objetivo de entender o que é possível avistar e construir a partir dos estilhaços dessas nações destruídas.

Teatro do mundo destroçado

As peças coletadas nesses quinze anos pelo artista foram divididas em duas grandes categorias: Natural (Animal, Vegetal e Mineral) e Artificial (Papel, Tecido, Vidro, Cerâmica e Plástico). Para organizar esse acervo, o cenógrafo levou em consideração a potência performativa dos materiais.

As peças expostas são fragmentos de objetos e elementos naturais em diferentes estados de deterioração, como cacos de cerâmicas e vidros, pedaços de móveis, roupas e acessórios, utensílios domésticos e do cotidiano, latas, embalagens, restos de materiais industriais, fantasias de carnaval e painéis cenográficos, além de troncos, galhos, folhagens secas, carcaças e ossos de animais, penas e insetos. O acervo inclui peças inusitadas, como um aparelho de correção postural doado durante a pesquisa; cartazes de propaganda e uma série de latas amassadas coletadas em Manchester; terra e ossos encontrados na Serra do Curral em Minas Gerais. Guarda ainda algumas raridades, como um livro de teatro da década de 1910, uma fantasia de anjo que pertenceu a uma igreja e asas vermelhas de gafanhotos da Chapada Diamantina.

Para além da exibição desse conjunto inusitado e único, foram montadas seis instalações com elementos inspirados nas maquinarias espetaculares utilizadas nas óperas barrocas. Esses elementos cenográficos serão ativados por performers durante a exibição da exposição.

Bolelli expõe um mundo de restos, dando forma a fantasmas e monstros de todas as espécies que assombram os seres humanos. Essas figuras habitam o fundo do mar, as águas, florestas e matas, o solo, o céu, e até o espaço, entulhando, poluindo e contaminando todos os ecossistemas.

Elementos sonoros, audiovisuais e de iluminação dão vida a esses seres, criando um teatro do mundo destroçado.  É como se cada instalação representasse um ato de um espetáculo. O projeto tem trilha sonora e desenho de som do dj e pesquisador da cultura afrodiaspórica Eugênio Lima, e videoperformances criadas em parceria com artistas do Brasil, Inglaterra e Estados Unidos.

Ficha Técnica

Concepção, criação e expografia: Renato Bolelli Rebouças

Trilha sonora e desenho de som: Eugênio Lima

Assistentes de expografia e montagem: Anísio Serafim e Vinícius Valério

Estagiárixs de arte e montagem: Allan Wallace Santos Silva, Dan Salas, Guilherme Santii, Julia Cristina Cordeiro, Julia Tavares Bispo, Lais Damato, Loh Goulart, Nicholas Cotrim, Wanessa Lemos

Consultoria de luz: Claudia de Bem

Montagem cenotécnica: Francisco Mateus e Theo Moraes

Eletricista e montagem de luz: Everton Keishi

Performers vídeos: Ahn Vo, Bukuritós Aruanda, Laura Fajngold, Lowri Evans, Lua, Marina Medeiros, Monalisa Silva, Raphael Vianna, Renato Bolelli Rebouças, Roberto Alencar, Simone Gatti

Fotografia e montagem vídeos: Bukuritós Aruanda, Caio Brettas, Luiz Cruz, Renato Bolelli Rebouças

Edição vinhetas e vídeos dos monitores: Rafael Anastasi

Imagens: Andrea Lavezzaro, Acervo Usina da Alegria Planetária, Bukuritós Aruanda, Daraca, Renato Bolelli Rebouças

Trilha sonora vídeo de apresentação: NU – Naked Universe

Realização: Renato Bolelli Rebouças + Plataforma UAP | Usina da Alegria Planetária

Assessoria de imprensa: Canal Aberto – Márcia Marques, Daniele Valério e Flávia Fontes

Apoio: FUNARTE (por meio da Chamada Pública para ocupação de espaços/ 1o semestre de 2023) + Laboratório de Práticas Performativas da USP

Serviço

O Gabinete dos Desinteresses e Mediocridades

Abertura: 29 de julho de 2023, às 14h

Período: 29 de julho a 27 de agosto de 2023

Horário: Todos os dias da semana, das 14h às 19h

Onde: Funarte São Paulo – Galerias Flávio de Carvalho e Mário Schenberg | Alameda Nothmann, 1058, Campos Elíseos, São Paulo/SP

Entrada gratuita

*** Performances

19 de agosto, das 14h às 18h: Performance com artistas convidadxs e debate com pesquisadorxs sobre o tema: “Entre o teatral e o expográfico; entre arquivos e repertórios –  ideias para pensar uma cenografia expandida a partir do Sul”

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